terça-feira, 8 de setembro de 2015

So para não perder

Carta ao nosso filho adolescente*

Meu filho,

nós, teus pais, sempre tivemos a arrogância de achar que temos uma cultura superior à média e, portanto, desde sempre achamos que íamos fazer de ti um adulto com uma inteligência superior. Chegada a esta altura, das duas uma, ou já concluímos que tu és bastante mais parvo do que qualquer adolescente normal e pouco merecedor dos pais que te calharam em sorte e por isso desistimos de ti e limitámo-nos a dar-te cama e comida até atingires a maior-idade e te podermos pôr fora de casa sem pairar sobre nós o medo de um processo no tribunal de menores ou, em contrapartida, assimilaste todo o conhecimento e experiência de vida que te fomos dando e temos um orgulho imensurável em ti. Neste último caso, filho querido, estás por esta altura a escolher o que pretendes fazer da vida para pagar as contas (se for o primeiro caso é só altura de te fazeres à vida por tua conta e risco, meu palerma) e é por isso que te escrevo estas linhas. Não desiludas estes teus velhos pais e não nos digas que queres ir para engenheiro ou para professor. Aliás, arriscas uma carga de porrada se mencionares a palavra enfermeiro, aviso já. Com essa cara e esse cérebro (não fosses tu meu filho) tens duas hipóteses apenas: utilizar o corpo para ganhar a vida como modelo de elite e/ou acompanhante de luxo ou optar por algo mais convencional como canalizador e electricista.

E eu sei que agora não entendes, achas que estamos a ser forretas e que não queremos é deixar de viajar, jantar fora e comprar gadjetspara o papá, sapatos para a mamã e, por isso, não te queremos pagar a faculdade. Mas estás errado (pelo menos parcialmente, vá). Nós queremos o melhor para ti. E vais dar-nos razão todas as vezes que, daqui a uns anos, encontrares um dos teus colegas de liceu e ele te disser que é engenheiro ou doutor de qualquer coisa mas está na lista do IEFP há mais de seis meses, depois de dois estágios profissionais e três contratos temporários ao abrigo de uma qualquer medida do Estado. 

Vais agradecer sempre que alguém te chamar lá a casa (para qualquer uma das hipóteses que te coloquei à disposição, atenta) e tu te fizeres de difícil e quando finalmente lá fores, depois de muita insistência, cobrares os olhos da cara por cada hora de serviço e vires ainda a gratidão na cara dos clientes, mesmo depois de chorarem lágrimas de sangue ao assinarem o cheque de pagamento. E ficarás eternamente grato a nós, teus amados pais, por poderes continuar a desenvolver o gosto por livros, cinema, viagens e jantares em bons restaurantes que nós te incutimos graças às boas decisões que vais tomar agora.

Por isso filho, porque te amamos e queremos o melhor para ti, atenta no sábio conselho dos teus pais e não vás para a faculdade. Vai aprender algo que te sirva, de facto, para ganhar a vida.

 ___________________________

*que ainda não sabemos se teremos e depois de três dias a tentar encontrar um canalizador disponível e já mesmo na fase de não querer sequer saber o preço, só importa mesmo que venha.

Sem comentários:

Enviar um comentário